domingo, 19 de agosto de 2012

Seguro


“Depois que meu marido e eu chegamos a Paris, eu tinha medo de sair do nosso apartamento. Então eu olhava pela janela, para o beco. E via esse gato, procurando por restos.

Um dia algumas crianças foram até o beco e o prenderam em uma caixa. Eu os vi acenderem bombinhas e as jogarem na caixa. Eu podia ouví-lo miando do terceiro andar. Então, finalmente, tive um motivo para sair do apartamento. Salvei esse gato e o trouxe para casa.

Ele senta comigo quando leio, dorme comigo e ronrona. Mas, de vez em quando ele me morde, ou me arranha. Ele faz isso porque às vezes ele se esquece que está a salvo agora. Então eu o perdoo quando ele me morde. Porque eu sei como é nunca se sentir segura.”


Lost [03x11]

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Conversando com meu pai


Na quietude d'aquela noite densa,
reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito já morreu!...
Sorimbático e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho na vigília,
contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o gemer da rede,
as pancadas do relógio na parede
e o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,
uma nuvem descia lá do céu,
na sala onde eu estava, cai...
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha mais um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho;
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, querido filho!...
Tenho assistido todos os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos
suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza
ante a ânsia que traz na alma presa
de adejar cortando monte e serra;
sua ânsia de voar, cantando notas,
misturar seu vôo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.

Mas, ao lado dos atos de grandeza,
você me causa, filho, também tristeza,
em desgosto minh'alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
pra sua mãe você fez cara feia,
bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,
ela caiu prostrada em um pranto
soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
pois para o filho não há maior desgraça
que em sua mãe deixar rugas no rosto.
Nunca mais a ofenda, nem de leve!...
O seu amor a ele aos céus eleve
e escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
e, se assim fizer de consciência
você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,
fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entrega
sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,
aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,
alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
esperando que meu pai rompa distância,
pra vir de novo conversar comigo.

Ronaldo Cunha Lima